Por Luiza Terpins | 17/10/2018
Há algumas semanas, um novo unicórnio saiu voando por aí: o Brex, startup de cartão de crédito corporativo focado justamente em startups. O negócio, considerado pelo jornal americano Wall Street Journal a fintech mais quente do momento, promete resolver um problema que muito empreendedor vive no início da jornada: a falta de acesso a crédito para sua empresa por não ter garantias como receitas e bens.
Fundada em São Francisco, nos Estados Unidos, a empreitada captou US$ 125 milhões em uma nova rodada e alcançou o valor de US$ 1 bilhão.
A novidade, além de movimentar o ecossistema, trouxe uma surpresa boa: apesar de por enquanto só funcionar em solo norte-americano, tem origem brasileira.
No comando do Brex estão o carioca Pedro Franceschi, 22 anos, e o paulista Henrique Dubugras, 22, que no Brasil já tinham fundado (e vendido) a Pagar.me, startup de pagamentos digitais.
Orgulhos à parte – afinal, é bom ver brasileiros mandando bem lá fora –, a notícia do Brex reforça um movimento cada vez mais evidente: se há pouco tempo nós vimos o boom das fintechs focadas no consumidor final, como Nubank e GuiaBolso, agora o que não faltam são soluções digitais financeiras para o mercado B2B.
Segundo estudo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) com a PwC, só no Brasil, das cerca de 500 existentes, 87% focam no corporativo. Há startups em diversas áreas, de financiamento, gestão de investimento a moedas digitais. “Elas miram em um nicho corporativo que não é exatamente o foco das grandes instituições financeiras. A oportunidade é grande, e não só aqui, mas no mundo”, afirma Rodrigo Soeiro, presidente da ABFintechs.
SEGUE O BOLETO
A tendência acompanha um comportamento já presente no dia a dia. Mais do que nunca, as pessoas querem praticidade – não precisar ir ao banco com frequência e nem ficar horas no telefone com o gerente para tirar uma dúvida já quebram bons galhos. No lado corporativo, essa economia de tempo traz outros motivos que fazem brilhar os olhos dos executivos: reduz processos, braços e, o mais importante: custos.
“A parceria entre grandes empresas e startups diz muito sobre a nossa relação com o trabalho e os novos modelos de gestão. Ao integrar com os serviços e tecnologias das fintechs, as corporações acabam aumentando a performance da equipe e diminuindo as despesas”, comenta Michel Alcoforado, antropólogo e sócio da Consumoteca, consultoria especializada no comportamento do consumidor brasileiro.
Foi exatamente para facilitar os processos corporativos que o cientista da computação Rodrigo Lima, de Teresina, no Piauí, fundou em 2016 a ReCB, plataforma de gestão de cobrança e pagamentos via boleto bancário que promete ser mais simples, intuitiva e acessível que as grandes instituições financeiras.
O foco da startup, que em dois anos faturou mais de R$ 1,6 milhão, são as micros, pequenas e médias empresas. “Antes da fintech, fui microempresário e senti na pele a falta de transparência e tarifas ocultas na hora de realizar pagamentos”, conta Rodrigo, que aposta em duas vantagens para seus mais de 400 clientes espalhados pelo Brasil: além de cobrar pela transação apenas quando o boleto é pago, o custo de operação é também inferior ao cobrado pelas operadoras de cartão de crédito. Desde a fundação da ReCB, a fintech já transacionou cerca de R$ 62 milhões em mais de 480 mil boletos.
“Nossos valores são experiência do usuário, transparência e foco no relacionamento com o cliente, sem custos para abertura de conta e nem mensalidades”, diz.
ACEITA UMA BALINHA?
Se por um lado as fintechs tornaram o acesso ao crédito mais fácil e democrático, por outro, está deixando o dinheiro em espécie, principalmente as moedas, cada vez mais escassas. Segundo o Banco Central, R$ 508 milhões são perdidos ou esquecidos por ano em lugares inusitados como sofás e bolsos, e para repor esta quantia em moedas o custo para os cofres públicos é de cerca de R$ 1 bilhão.
O fato é que, apesar de boa parte das transações brasileiras serem feitas com cartões – em 2017, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços, foram movimentados R$ 840 milhões em crédito e R$ 508 milhões no débito – , ainda há quem pague suas compras em dinheiro. E é aí que mora o problema: o que fazer quando não há troco? Se você já se irritou alguma vez com a proposta de trocar aqueles 20 centavos por duas balinhas, acredite: para o dono do estabelecimento, o incômodo é ainda maior.
É para resolver essa dor dos comerciantes – e inevitavelmente também a sua, que pode estar comendo mais balas do que deveria – que o paranaense Anderson Locatelli largou a carreira de executivo em uma grande empresa para tocar full time a Troco Simples, startup em que já atuava como investidor anjo.
A proposta da fintech é direta: o usuário se cadastra na plataforma e, nos estabelecimentos credenciados, pode optar por receber o troco de maneira digital. O valor é transferido diretamente para a conta dele da Troco Simples, onde rende até 6% ao ano e fica disponível como forma de pagamento em locais parceiros.
Desta forma, elimina o peso das moedas para o consumidor final e a falta de troco para os empresários. “Além de evitar o quebra de caixa ao arredondar os preços, eles economizam com o transporte de valores”, diz Anderson. A startup conta com mais de 400 clientes ativos, dentre eles, os franqueados McDonalds do Paraná.
“Com o boom das fintechs, a gente encontrou a oportunidade de digitalizar o offline, que são justamente as moedas, o troco. Para quem está empreendendo ou pensa em empreender, a dica é: não olhe apenas para o que é sexy, para o que está todo mundo olhando. Toda disrupção traz dezenas de oportunidades que podem passar desapercebidas.”
A seguir, Bernardo Pascowitch, diretor da ABFintech e fundador do Yubb, plataforma de busca de investimentos, destaca os pontos de atenção que todo empreendedor da área de fintech deve considerar:
.B2C OU B2B?
Não existe melhor ou pior. O importante é focar no mercado endereçado, independente se é B2B, B2C ou mesmo B2B2C. É claro que o glamour tende a estar no B2C, que é o que você vê as pessoas usando no dia a dia (o cartão do Nubank, por exemplo). Por outro lado, também é muito desafiador porque você concorre com grandes instituições financeiras. Outro ponto é que ganhar dinheiro focando no consumidor final é bem mais difícil. Quando se faz negócios com outras empresas, os contratos tendem a ser mais altos.
.MERGULHE NO MERCADO
Isso é extremamente importante. O mercado financeiro não é coisa simples e, afinal, estamos falando do dinheiro de outras pessoas. Além de existir vários órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central, há muitas regulamentações em constante atualização. Um caso bem emblemático é o da startup Fairplace, plataforma que conectava pessoas que precisavam de dinheiro com quem tinha o valor para emprestar. Em 2010, eles foram processados pelo Ministério Público por exercer o papel de instituição financeira. No final das contas, deixaram de existir. Oito anos depois, já existe uma regulamentação que permite que novos negócios atuem no mercado. Ou seja: é obrigatório que o empreendedor domine a área, esteja atento e saiba o que pode e o que não pode ser feito.
.VENDA SEU PEIXE
O mercado está cada vez mais competitivo, e nem dá para falar que é modinha ou o hype do empreendedorismo. Com o setor cada vez mais aberto a iniciativas inovadoras e o apoio que o Banco Central tem dado para as fintechs, é natural que continuem surgindo novas startups. Em resumo: ter destaque em meio a tantas opções não é tarefa simples. Venda bem o seu peixe e, se possível, considere investir em marketing e assessoria de imprensa.
.TENHA UM GRANDE PARCEIRO
Fintechs não conseguem operar sozinhas. Todas precisam se plugar a instituições financeiras, sejam adquirentes ou mesmo bancos – no emblemático caso do Neon, por exemplo, foi o banco que estava por trás que deu todo o problema que quase levou ao fechamento do negócio. É fundamental entender qual tipo de integração faz mais sentido para a sua startup, quais tecnologias são necessárias e garantir que tenha profissionais que saibam operá-las.
.OS DESAFIOS DO FUNDING
Captar investimento para fintench é particularmente sensível, não só porque o mercado está despontando, mas porque os custos para tocar um negócio do tipo são, de maneira geral, mais altos do que o de outras startups. Como comentado acima, há muita regulamentação envolvida, o que demanda gastos com advogados e burocracias. Assim, é inevitável que o empreendedor de fintech precise captar mais recursos do que outros.
Rodrigo Soeiro, presidente da ABFintechs, acrescenta: “Converse bastante com potenciais investidores. O relacionamento deve ser constante. Recentemente, por exemplo, David Vélez, fundador e CEO do Nubank, anunciou o aporte de US$ 200 milhões da empresa de tecnologia chinesa Tencent, e disse que não estava a procura de funding, mas durante essas conversas acabou surgindo a oportunidade.”